domingo, 17 de janeiro de 2010

AVALIAÇÃO 2009 - DRAMATURGIA NA TRUPE ORTAÉTICA

A Trupe Ortaética de Teatro Comunitário tem a honra de receber em seus espaços de cusos o escritor e cineasta Alex Giostri que há muitos anos dedica-se além das artes também à área social.
Voluntário em nosso projeto de Arte/Educação o artista carrega consigo uma bagagem profissional que generosamente é transmitida a nossos alunos sempre em constante formação.
Alex tem brilhantes passagens pela ONG NÓS DO MORRO, pela UFRJ, por jornais relevantes do país e além de seu extenso currículo é editor e autor de diversos livros.
De sua estada na Trupe Ortaética de Teatro Comunitário faz as seguintes reflexões:

"Da trupe o que eu posso dizer é que se trata de uma iniciativa necessária, com fins objetivos, com pessoas engajadas.
Na realidade, toda iniciativa que tenha o outro como fator primeiro deve ser vista como genuína, desde, naturalmente, que esteja no campo da construção, do crescimento, da solidariedade.
As atividades lá oferecidas, na trupe, são de viés artístico, no entanto, carregam todas em suas entrelinhas uma questão da identidade, da formação, e, neste sentido, agem por linhas, às vezes, ou em sua maioria, invisíveis formando ou re-formando indivíduos que a procuram para uma coisa, mas que, na realidade, precisam de outra.
O que quero dizer é que o indivíduo ao procurar uma determinada atividade procura-a por ela mesma, mas também por algum outro motivo, esse de origem desconhecida até a si próprio.
E é desse motivo de origem desconhecida que nós - os educadores e os responsáveis pela formação da identidade emocional de quem nos procuram - precisamos nos ater para assim atender a todos de uma maneira realmente edificadora.



Da minha primeira iniciativa o que posso dizer é que foi inusitada. Nem eu esperava apresentar uma atividade de literatura e dramaturgia fora de uma Universidade.
E foi interessante lidar com pessoas que estavam ali, mas sem um fim objetivo de querer se dedicar à escrita e à dramaturgia. Num curso direcionado geralmente atendo a autores novos e experientes e o que se dá é a troca de olhares, de maneiras de vir uma mesma coisa, uma mesma situação vista por inúmeros ângulos.
É uma troca sadia. E na atividade oferecida dentro da trupe, que não era para autores e sim para quem queria conhecer um pouco mais, o que tentei priorizar foi o lado humano. Na medida em que nós estávamos em grupo, num grupo de pessoas interessadas num assunto, eu propus um mergulho ao mundo interno, que é o que é o mundo de um autor.

O autor vive em sociedade, no entanto, a sua realidade mesmo é interna. Na verdade, a de todas as pessoas, mas há uma tendência natural em acreditarmos que o mundo é aquele ou aquilo que se vê. E não é. O mundo é aquele que se constrói através da maneira de olhar a imagem externa das coisas e das pessoas. O que nós achamos dessa ou daquela pessoa não é o que ela é, é o que nós achamos que é. O que nós achamos dessa ou daquela rua, daquele bairro, não é o que é, é o que achamos que é através de nossa vivência e de nossa tendência natural comparativa, o que é natural e até sadio, sob uma determinada ótica. Enfim: fiz a oficina e penso que a próxima terá que ser melhor, que eu tenho que me prender ao eu de cada um, mas que fundamentalmente que preciso de pessoas que de fato queiram escrever e que escrevam no processo, no decorrer das atividades.


Da minha segunda iniciativa o que posso dizer é que será uma atividade um tanto dura, que mexerá com o eu secreto de cada um. É uma atividade voltada para atores e o que nós iremos discutir em sala serão os sentidos, as reações, as ações, o mundo, as pessoas, as construções, as idealizações, os sonhos, as utopias, a criança.
O que menos interessa na minha sala são as interpretações. Um ator não interpreta na minha sala, ele vivencia a sua própria existência, ele desconstrói aquele alicerce mal construído, aquele alicerce construído equivocadamente.
Trato da alma, das intenções, da vida. Não há ator bom que não seja um homem bom e não há ator bom que não seja culto. E isso não sou eu que digo, basta uma rápida pesquisa na vida dos atores a quem qualquer um de nós admira.
Atuar é uma arte, o ator é uma ferramenta. O emocional do ator é o seu alimento. Como lidar com essa ou aquela emoção se nós não a conhecemos verdadeiramente? Como saber o que dizer no pior momento se nós não lidamos corajosamente com a dor?
O aplauso que me interessa em sala de aula é o aplauso da criança de cada um para cada conquista. Não se trata de egocentrismo, mas de realizações, de motivações, de utopia, de necessidade. A quem for fazer boa sorte. A mim, que eu consiga administrar aos 15 participantes.


Quanto à minha intervenção maior em estar junto à trupe.
Sou um milagre da vida. Fruto da literatura e do mundo da ficção. Não gosto do mundo real. Prefiro a fantasia e sempre que posso estou nela. Ainda prefiro o mundo infantil, mesmo tendo responsabilidades reais e duras de um adulto. Venho dedicando a minha vida às palavras e ao silêncio há alguns anos. Passei doze anos no Rio de Janeiro e os últimos três, recluso num apartamento de frente à praia, numa praia vazia, um paraíso para uma pessoa como eu. Lá escrevi muitas coisas e estudei alguns autores e a mim mesmo. Vim parar em São Paulo há um ano e aqui estou adoecido pelo barulho, pela multidão que passa pelas calçadas diariamente, pela vida dura do dia a dia. Já tenho a certeza que não será aqui a minha velhice. Acredito na troca, creio que daqui não se leva nada. Acredito na educação, na possibilidade de oferecer algo a alguém. Acredito que cada um de nós pode dar um pouco de si para o vizinho, amigo, parentes etc. No meu caso, penso que posso dar esse pouco que sei, e não é demagogia, não é muita coisa mesmo, para outras pessoas que talvez precisem desse meu olhar sobre esse ou aquele assunto.


Quando contribuo com iniciativas como essa, o que não é a primeira vez, eu penso estar colaborando com o país. Penso que se eu puder tocar uma pessoa dentre 30 que passem por mim, eu já realizei o que acredito. E também é uma espécie de lavação de alma. Vejo o mundo, eu acredito na vida, olho-o e sei que dele nada levarei. Pra quê levar o conhecimento então? Vamos dividir. E é o que tento fazer em qualquer iniciativa artístico-educacional a que eu me proponha estar à frente.


Faço o que faço, pois se eu escrevo qualquer pessoa pode escrever. Se eu roteirizo, qualquer um pode roteirizar. Se eu sou boa pessoa, qualquer um pode ser também. Sou, portanto, o que a palavra é para mim, a ferramenta; sou a ferramenta que a vida quer que eu seja. Amém!"
ALEX GIOSTRI

Um comentário:

Professor Tiago Ortaet disse...

Alex o texto é grandioso no sentido reflexivo, achei muito importante mesmo.
Muito obrigado por estar conosco nessa missão desbravadora do ser humano.