quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A PERFORMANCE COMO AÇÃO EDUCATIVA

Uma das múltiplas funções da arte é a desconstrução.

Soa um pouco confuso entender que uma área do conhecimento como a arte, que tem o papel criador como força maior, possa educar através do desconstruir.

Mas basta focar nosso debate para o experimento, para a pesquisa, que logo irá clarear essa idéia. Quando o estudante (permanentemente em fase de construção da identidade) está inserido um processo de criação que prioriza o fazer embasado com o conhecer, o mesmo sairá da área de conforto que a educação rotineiramente pressupõe os fatos.

O ensino de arte só é efetivo se houver afetamento, aquele que se deixa afetar, garante o saber.

Quando tratamos de desconstruir estamos nos colocando à subverter o que é oficial, a arte pode ser essa quebra de rotina, uma possibilidade de arte manifesto, arte e provocação social.

A apropriação da performance como ação educativa pode propiciar uma reflexão que muito provavelmente não se construiria simplesmente da oralidade, da conversa, do bate-papo.

Esse é sem duvida um tema pouco ou nunca debatido na esfera da educação.

Dentro dessa visão performática está intrínseca na essência dessa linguagem o rito. Rituais não são incomuns na nossa sociedade, sejam os rituais diários ou os festivos, religiosos, individuais ou coletivos, porém sendo essa uma característica artística da performance, um combinado é firmado para ela acontecer. Mas o combinado não retira o improviso pertinente a essa ação; muitas coisas acontecem numa performance aberta como a que se propõe.

Esse combinado quando grupal desperta a conexão do instante entre os atores, pensando no individual, torna-se um elo singular entre o pensamento do artista e a ação que ele se dispõe.

O palco para esse rito pode ser a rua, a praça, o transporte coletivo ou em qualquer outro lugar, pois e estética apregoada, torna-se um rito de passagem, um ato incompleto que só se dá na sua integralidade quando em contato direto com o publico.

Uma performance de rua por exemplo que explore as artes cênicas e temas sociais, jamais será tema de pesquisa somente das artes, mas também da sociologia, da filosofia, da estética, da antropologia, enfim, todo organismo essencial do ato performático é fonte de discussões em diversas áreas do conhecimento, sendo este portanto um fenônemo plural.

A pluralidade está também nas possibilidades de intervenções da performance e nas linguagens transversais que ela possibilita.

Durante dois anos desenvolvi projeto de performances de rua com jovens e adultos numa ONG da Zona Norte de São Paulo; o ciclo didático que promovi se dava da seguinte maneira:

Os dois meses iniciais do curso os estudantes passaram por experiências teatrais internas, ou seja, dentro de uma ampla sala de aula, experimentando jogos teatrais, alongamentos, aquecimentos, dinâmicas coletivas, debates, improvisações, construções de cenas, relaxamentos, dentre outras atividades artísticas. Dando sequência ao planejamento do curso, os alunos pesquisavam o significado de palavras e traziam as mesmas para debates. Em seguida combinávamos temas e minimamente alguma ação teatral para ser realizada nas ruas da cidade, tendo os transeuntes como platéia itinerante.

Após cada performance de rua, recorríamos às anotações posteriores de cada um sobre os olhares da platéia em relação a apresentação realizada.

Na maioria das experiências o resultado do debate foi absolutamente importante para a formação daqueles estudantes, uma vez que cada um dos participantes falavam com propriedade do que vivenciaram e não simplesmente do que ouviram falar ou leram em algum livro. Esse processo alimentava o desejo de todos por novas oportunidades nesse sentido, pois já tinham ciência do quão inesgotável é a performance como uma ação educativa, uma educação sensível do olhar.

Professor Tiago Ortaet

www.tiagoortaet.com.br

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

2ª fase de atuação da ORTAÉTICA no Centro da Criança e do Adolescente Meu Guri

Trupe Ortaética de Teatro Comunitário


2ª fase de atuação no Centro da Criança e do Adolescente Meu Guri

Oficina Artes do Corpo
1º semestre de 2010

RELATÓRIO DO RE-INÍCIO DE ATIVIDADES

PRIMEIRO MOMENTO: O OLHAR

Após todas as vivencias do semestre passado foi solicitado pela instituição que atendêssemos outra turma freqüente, nesse semestre focaremos o trabalho com as duas turmas de crianças de 6 a 8 anos.

Sabida mudança, fez com que, em reunião, planejássemos estratégias para uma aproximação com essas crianças que trabalharemos.

Desta forma, eu, enquanto coordenador da equipe teatral; participei da rotina das crianças na instituição, bem como promovi atividades em múltiplas linguagens a fim de conhecê-los melhor e estabelecer vínculos afetivos.
Antes mesmo de atuar com as turmas, passei durante quase toda manhã, criando um “brainstore” uma espécie de “tempestade de idéias” que remetessem as ações de arte/educação para esse semestre. No esboço criado busquei articular temas relevantes com produções de artistas e múltiplas linguagens, incluindo o cinema, o desenho, as artes plásticas, figurativas e abstratas, tendo como norte do trabalho o teatro.

No primeiro dia visitei a turma de adolescentes que vivenciaram as experiências teatrais no semestre passado, fui convidado a participar de uma roda de dança e conversei com os jovens.

Como meu objetivo era de permear em todas as turmas e posteriormente intervir de forma estratégica na turma das crianças, também participei de jogos com a outra turma que estava em atividades esportivas.

Já diante das crianças que irão conviver com as aulas e o projeto teatral oferecido, decidi inicialmente acompanhar uma atividade de desenho proposto pelas educadoras.

Pude conferir a intenção zelosa das profissionais, porém identifiquei situações que muito me chamaram a atenção:
1) As crianças usavam réguas com formas de animais para desenhar
2) Todos estavam apertados em 2 grandes mesas
3) Não havia nenhuma orientação temática na composição do desenho
4) Os educandos faziam um extremo barulho e atrapalhavam a composição dos colegas

A oportunidade de intervir significativamente no processo de criação daquelas crianças me saltou aos olhos e pedi autorização às educadoras se eu poderia, no momento seguinte ao término daquela atividade, propor uma ação educativa através do desenho, uma vez que a intenção desde o início era de aproximar-me dos educandos, não necessariamente pelo teatro, mas através de quaisquer outras linguagens da arte.

Proposta gentilmente aceita pelas educadoras.

Iniciei a atividade numa roda de conversa com aquecimentos vocais e orientações das regras. Destaque para a ludicidade empregada nessa atividade para garantir atenção das crianças. Em minha fala citei a necessidade de concentração para criar arte e no respeito com o trabalho dos colegas.

Fizemos exercícios de concentração e gritos de guerra. Ainda no nosso bate-papo realizei um jogo de perguntas e respostas através de gestos corporais.
Abordei de forma indireta a deficiência que encontrei na atividade anterior, refletindo com as crianças o uso da régua para se desenhar. Deixei claro que não é proibido usar régua, mas poderíamos pensar nas seguintes questões:

1) O que na natureza é reto?
2) O que é reto em nosso corpo?
3) Vocês gostam de desenhos que se pareçam com a realidade ou não?
4) Quais possibilidades de se desenhar?
5) Nós podemos desenhar o corpo e o corpo pode desenhar o que?
6) Como você se sente quando desenha?

Fizemos experiências com as réguas em nosso corpo (ainda em roda) e todos participaram, sejam atuando ou observando, opinando sobre o tema. Usamos o lápis para riscar os papéis e daí criar formas variadas, formas abstratas.

Pedi que todos se levantassem e procurassem um espaço em qualquer lugar da sala e lá sentassem, inclusive podia ser no próprio chão. A regra principal é que no momento da criação dos desenhos ninguém poderia falar, por que debateríamos todos os assuntos e duvidas ao término da atividade. (no máximo em 5 ou 10 minutos)

Todos receberam uma sulfite em branco e um lápis para participarem do exercício artístico. Receberam as seguintes orientações:

1) Dobrem a folha ao meio
2) Na primeira parte desenhem uma bola
3) Na segunda parte desenhem uma cadeira
4) Na terceira parte desenhem um sol
5) Na ultima parte desenhem um jacumã

Evidente que ao ouvirem a palavra “jacumã” muitos dizeram “não sei o que é isso” “não posso desenhar o que não sei” “é muito difícil” “o que é isso” “o que pode ser isso”.

Isso acontece por que propositalmente quis tira-los do sistema confortável e pouco criativo do desenho livre, para que eles atravessassem essa fronteira com a imaginação.

Ainda sem dizer o significado da palavra, nos reunimos em roda e apreciamos os trabalhos dos colegas, cada um expos sua obra, dizendo em que pensou para desenhar determinada bola, cadeira e sol.

Ao final expuseram e falaram sobre o “jacumã” de cada um.

Nessa oralidade tivemos as seguintes respostas:
1) “Jacumã é pra mim uma fruta muito grande”
2) “Jacumã deve ser um animal de outro país”
3) “Jacumã é uma comida que eu não conheço ainda”
4) “O jacumã dele tá errado, por que não é isso”

Após a explanação de todos, inclusive das educadoras, que não resistiram em participar; expliquei os objetivos dessa atividade e informei que “jacumã” é uma espécie de pá indígena. Disse-lhes ainda que toda e qualquer composição estariam corretas, uma vez que não arte não existe certo ou errado, além de que o mérito da questão estava justamente na diversidade do que foi criado.

SEGUNDO MOMENTO: O PERCEBER

Imbuído dos novos relacionamentos da semana anterior, continuei a criação do esboço de idéias do trabalho para relacionar as vivências com o contexto que empregaremos.

Trouxe para meus escritos contribuições que indiretamente os educandos me apontaram.

Em mais um dia de atividades participei com os educandos de uma atividade de pintura mural coletiva proposta pelo coordenador técnico da instituição, Luiz Pereira de Souza.

Paralelamente ao trabalho com as crianças, se fundou uma ampla discussão conceitual, estética e teórica com o coordenador a respeito da relação do arte/educador e do artista, germinando em idéias para materializar esse debate. Julgo esse momento, um enriquecedor discurso para a prática, por isso, subinho esse acontecimento.

Estamos mergulhados no processo criativo, em metodologia e ambiente sócio-educativo, portanto necessitamos de exercer a reflexão permanente.

No “fazer” com os jovens e crianças da instituição, muitos elementos aparecem para análise das situações.

1) A autonomia é por si mesma procedimental.
2) A composição de uma grande obra coletiva é, ao meu entender, um excelente aprendizado cognitivo e atitudinal, dentre outros fatores.
3) A mobilização do jovem está diretamente relacionada com a autoria.
4) A inquietude juvenil é a mesma do adulto, (na maioria dos casos) mas ele ainda não tem o filtro que o faria equilibrar essa sensação.
5) O cooperativismo entre eles se dá muito pela condução da atividade, ou seja, o condutor ou os condutores influenciam demais nessa postura.

Mesmo frente à euforia dos educandos, pude colaborar na atividade artística, estando junto das ações, preparações e finalização da atividade.

TERCEIRO MOMENTO: O CAPTAR

Nesse dia me dediquei a articular tudo que presenciei e compartilhei com os educandos num texto que pudesse ser mais que um simples relato, mas que fosse a retórica do meu trabalho.

Em seguida acompanhei todos educandos numa atividade na piscina, onde formamos times e tivemos que defender um território, não podendo o time adversário invadir o espaço do outro sem que o mesmo não estivesse portando uma bola.

Mesmo sendo esta uma atividade que beira a prática esportiva, há conceitos de cooperatividade, trabalho em equipe, dinamismo, motivação, estratégia, plano, ação e movimento que são características importantes num trabalho teatral.

Como teoriza o teatrólogo “Augusto Boal”, tudo é teatro, todas nossas manifestações diárias são teatrais, são ritos e não é que assemelhem com as artes do palco, é a própria realidade construída, encenada.

Estão sendo planejadas por mim atividades no que considero como metodológico os seguintes momentos experimentais:

• QUARTO MOMENTO: O SENTIR
• QUINTO MOMENTO: O FLUIR

A artista plástica Ana Viviane Minorelli virá numa próxima oportunidade acompanhada da artista Australiana "Fiona" convidada da Trupe Ortaética para levantarem questões sensoriais com as crianças e juntos darmos continuidade ao projeto.


Essa continuidade implica também em uma visita dos educandos ao espaço de trabalhos e aulas da Trupe Ortaética no Palácio do Trabalhador em São Paulo, para que possam conhecer o aparelhamento técnico de uma instalação teatral e conseguinte saboreiem um território nunca antes visto.

O ciclo continua.

Serra da Cantareira - Mairiporã, 09 de Fevereiro de 2010

Tiago Ortaet
Arte/Educador
www.tiagoortaet.com.br